terça-feira, 1 de junho de 2010

Quem inventou que dançar é sinônimo de coisa ruim?


Esse uso indevido do verbo "dançar" para definir coisas ruins também terá o mesmo destino de outras gírias : o esquecimento. Mas até lá estará nos causando grandes estragos e prejuízos por vezes imperceptíveis.

Com brilhante percepção, foi de Jaime Arôxa, durante palestra no recente DanSul, em Curitiba, o primeiro alerta contra uma expressão que trabalha contra a dança, de qualquer gênero: o uso incorreto e, mais do que isso, prejudicial ao mercado em qualquer sentido, do termo “dançar” como sinônimo de algo ruim que possa acontecer a alguém em determinada circunstância.
O time perde no futebol, por exemplo, e lá vem a frase: “meu time dançou!” Algo sai errado no trabalho e alguém decreta: “dançamos!” O sujeito perde o emprego e lamenta: “dancei!”
O que Jaime Arôxa observa, com toda razão, é a associação consciente ou inconsciente que as pessoas começam a fazer da dança com coisas ruins, negativas. A preocupação principal recai sobre as crianças. O que poderão pensar quando alguém sugerir que dancem em alguma festinha ou entrem numa academia? Incutindo essa idéia preconceituosa e nefasta de que dança é algo ameaçador, como poderão as crianças acreditar que a realidade é exatamente o contrário, a dança só fará bem a elas? Convenhamos, quem inventou isso não tinha a mínima noção do que estava falando. Quem repete, também.
É muito difícil, senão impossível, detectar a origem de determinados termos que entram na linguagem cotidiana das pessoas. Mas a contribuição da TV passou a ser muito forte, pela repetição e principalmente nos programas humorísticos. Quase todas as gírias, depois de algum tempo, se esgotam, vão sendo substituídas e desaparecem. Hoje, por exemplo, soa esquisito quando alguém ainda usa “cafona”. Num blog que freqüento, do meu amigo jornalista Edward de Souza, de Franca, uma senhora se referiu à foto de um amigo nosso chamando-o de “pão”. Foi o suficiente para virar alvo das brincadeiras de todos, pois assim entregou sua faixa etária e mostrou estar defasada no uso do vernáculo.
Esse uso indevido do verbo “dançar” para definir coisas ruins também terá o mesmo destino de outra gírias: o esquecimento. Isso é certeza. Mas até lá estará nos causando grandes estragos e prejuízos por vezes imperceptíveis. Para apressar sua morte é preciso que todas as pessoas que praticam e amam a dança primeiro o excluam do seu próprio vocabulário. Sei que é difícil, pois está de tal forma impregnado no cérebro que eu mesmo já me peguei cometendo esse pecado. É involuntário, quando a gente percebe já falou. A única maneira de bani-lo será fazendo uma autocensura, ou seja, conscientizando-se que comete uma gafe cada vez que repete esse horror. Sem exercitar essa rejeição, nós próprios, dançarinos e simpatizantes, estaremos trabalhando contra a dança se acharmos que está tudo bem e isso não tem a menor importância.
Ora, se até nós, que defendemos e pregamos as virtudes da dança em tempo integral somos capazes de cometer a heresia, o que esperar de quem está de fora e se lixando para nossa pregação e ideais?
Além de banir essa conotação negativa do nosso próprio linguajar, seria interessante que cada pessoa que tenha algum tipo de envolvimento e compromisso com a dança questione seu interlocutor sempre que ouvir isso. Não estou sugerindo que se torne um mala e arrume encrenca. Calma lá! O contraditório pode muito bem ser exercido com serenidade e bom humor. Nada de agressividade. Basta dizer algo do tipo “amigo, você tem toda a razão e estou solidário, mas deixe a dança fora disso”. Sugerindo, em seguida, que a dança é sempre fonte de soluções e jamais de problemas. Cada pessoa que você conquistar para nossa causa, com simpatia, deixará de ser um agente propagador desse falso e inconsequente conceito.

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